Fonte: ArqRio
Nesta semana, iniciamos a campanha eleitoral 2020, com a grande responsabilidade de eleger o prefeito de nossa cidade e seus vereadores. E esta grande responsabilidade é especialmente significativa e crucial nestas eleições, se considerarmos três principais circunstâncias que nos colocaram em situação de gravíssima crise econômica, social e política: a pandemia da Covid-19, que agravou a já tão sofrida situação financeira de nosso povo, porém esta circunstância era imprevisível e sobreveio sobre nós como verdadeiro tsunami a devastar todos os nossos planejamentos para o presente ano; os casos de corrupção no governo do estado, que instauraram uma espécie de cleptocracia, principalmente na área da Saúde, mas também em outros setores da governança estadual; e a crise política na prefeitura do Rio, ensejada também por uma série de acusações de corrupção que ocasionou a quinta votação de pedido de impeachment do chefe do executivo municipal neste último mandato. Aqui não é preciso citar nomes, nem fazer referências precisas aos fatos ocorridos, pois estes são do conhecimento público e estão sujeitos ao julgamento dos poderes Legislativo e Judiciário, e do poder soberano numa sociedade democrática, que é o julgamento do voto do cidadão comum.
Todas estas situações nos decepcionam, indignam, envergonham e frustram nossa esperança por dias melhores. Manifestam verdadeira degradação moral que atinge o mais alto escalão do poder estadual e municipal do estado e do município do Rio de Janeiro. Entretanto, as nuvens tenebrosas que se instalam sobre o Rio só podem ser dissipadas através do voto, de modo que não há outro caminho de solução fora da política, por mais que a sua má prática ou condução nos divida e cause verdadeiro asco. E, no nosso caso de cristãos, o voto vai muito além de um dever cívico, mas deve ser compreendido numa perspectiva evangélica.
Em sua missão essencialmente religiosa, não cabe à Igreja indicar candidatos ou grupos partidários. O Direito Canônico é muito claro neste sentido: “Os clérigos (...) não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais, a não ser, que a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum” (cân. 287 §2). Até mesmo aos fiéis leigos que exerçam cargos de liderança nos partidos políticos é vetado o exercício da presidência nas associações públicas de fiéis, como irmandades, confrarias, ordens terceiras etc.: “Nas associações públicas de fiéis, destinadas diretamente ao exercício do apostolado, não sejam moderadores os que exercem cargo de direção nos partidos políticos” (cân. 317 §4). O próprio Concílio Vaticano II afirma que “os presbíteros não estão jamais a serviço de alguma ideologia ou facção humana, mas como arautos do Evangelho e pastores da Igreja, se desdobram por conseguir o crescimento espiritual do Corpo de Cristo” (PresbyterorumOrdinis6).
Contudo, o fato de a Igreja ser apartidária não a torna inábil para se expressar em matéria política. Muito pelo contrário, cabe a ela ser iluminadora e propositora dos valores humanos mais elevados que encontram o seu mais profundo sentido nos evangelhos. Sendo assim, a Igreja convoca todos os fiéis, clérigos e leigos para que cada um, à luz do Evangelho e da Doutrina Social, que dele decorre, analise os projetos apresentados e siga sua consciência no voto confiado àqueles que decidirão os rumos da nossa cidade pelos próximos quatro anos.
No presento momento histórico que vivemos no nosso país, tanto nas esferas federal, quanto estadual e municipal, o voto consciente torna-se mister. E de um modo muito particular neste ano, cabe a cada cidadão carioca, que aqui nasceu ou escolheu esta cidade para morar e construir sua vida, analisar os programas de governo de cada candidato, confrontá-los com os ensinamentos da Igreja e avaliar as possibilidades concretas de efetivação dos mesmos, sempre na linha do respeito às liberdades individuais e coletivas, à verdade, à justiça e à vida, desde sua concepção até o seu fim natural.
Não é lícito ao bom católico aderir a programas de governo ou de partidos que atentem contra a dignidade humana, nem tampouco aderir ou aceitar passivamente ideologias que vão de encontro aos ensinamentos do Senhor Jesus e de Sua Igreja. Embora muito se afirme hoje que o Estado é laico – como se este já não fosse desde a proclamação da República em 1889 –, a nação é majoritariamente cristã e as próprias raízes culturais, tanto da cidade quanto do país, estão fincadas no cristianismo. Neste sentido, há que se considerar que os direitos de Deus superam os direitos dos homens. Descurar tal preceito prioritário seria negar nossa própria identidade cristã.
Para o bom católico, a adesão partidária deve estar em vista da justiça social, da paz, da reconciliação, da unidade, da cultura e do progresso. Um programa de governo para ser verdadeiramente válido há que garantir a educação integral, na qual também se insere o ensino religioso confessional, de modo a respeitar a dimensão religiosa da criança e do jovem dentro da perspectiva da pluralidade confessional. A democracia se constrói na base do respeito às diferenças, do senso de corresponsabilidade de todas as instituições e de todos os cidadãos e na resolução de conflitos pela via do diálogo e obediência às leis em vista da convivência pacífica entre todos. E isto, mais do que nunca, deve ser objeto de esforço entre todos, considerando-se estes tempos de tanta polarização ideológica. A política é verdadeiramente exercida com nobreza e altivez de espírito quando cumpre com o seu objetivo maior: o bem comum.
Os frequentes crimes contra a coisa pública fizeram políticos e partidos caírem no descrédito da população. Porém, jamais podemos generalizar as más práticas cometidas por indivíduos, ainda que estes sejam muitos. No entanto, tudo isso deve nos servir como sinais dos tempos para a renovação do quadro político. Sendo assim, cabe à Igreja exortar as pessoas de bem, com verdadeiro espírito patriota e comprometidas com os valores cristãos, para que sirvam ao seu município, ao seu estado e ao seu país através do nobre exercício da política, que deve ser exercido tanto através do voto, quanto através de cargos eletivos: “Lembrem-se, portanto, todos os cidadãos, ao mesmo tempo, do direito e do dever de usar livremente seu voto para promover o bem comum. A Igreja considera digno de louvor e consideração o trabalho daqueles que se dedicam ao bem da coisa pública a serviço dos homens e assumem os trabalhos deste cargo” (Gaudium et Spes75). Com efeito, se por um lado é dever da Igreja incentivar pessoas de bem que por idealismo e vocação optem pelo exercício da política, é igualmente seu dever incentivar os cristãos para que apoiem pessoas idôneas que exerçam mandatos, a fim de que se sintam moralmente amparadas no esforço em favor do bem comum. Padre Valtemario S. Frazão Jr.
Sacerdote Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
Muito bom este Post, sobre as eleições!