Por Pe. Eufrázio Morais

Na solenidade da Assunção de Maria aos céus, apresentamos na oração coleta a nossa súplica ao Pai dizendo: "Deus eterno e todo-poderoso (...) dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória". A resposta ao nosso pedido dominical é-nos atendida através da Palavra de Deus que no Evangelho desta liturgia temos Maria como modelo de pessoa que está sempre atenta às realidades do alto. Nesta celebração, somos convidados a imitar o seu exemplo de mulher sábia que, observando de modo silencioso todos os acontecimentos, reflete sobre eles em seu coração (cf. Lc 2,19).
O Evangelho deste domingo faz parte da obra lucana conhecida como "história da infância" de Jesus (Lc 1,5-2,52). O nosso texto evangélico pode ser dividido em duas partes: o relato da visita de Maria a Isabel (Lc 1,39-45) e o cântico do Magnificat (Lc 1,46-56).
Na primeira parte podemos destacar o estado em que se encontram as duas mulheres. Lucas narra que Isabel ficou cheia do Espírito Santo ao ouvir a saudação de sua prima (cf. Lc 1,41). Vale lembrar que esse episódio acontece logo depois que Maria, em sua casa, recebeu a visita do anjo Gabriel que anunciou a tal jovem, prometida em casamento a José, que ela encontrou graça diante de Deus. Escolhida para ser a Mãe do Salvador, Maria, com o coração dilatado à graça de Deus, responde generosamente ao anjo dizendo: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra" (Lc 1,38). Neste momento a Virgem é "desposada" pelo Espírito Santo e uma obra nova começa a surgir para todo o gênero humano. Ao chegar na região montanhosa da Judeia, Maria e Isabel estão repletas do Espírito do Senhor, ou seja, o mesmo Espírito que falava por meio dos profetas. Estamos diante de duas mulheres que estão totalmente pneumatizadase e ambas fazem a experiência de um Pentecostes. Sendo assim, em Isabel não há outra atitude senão profetizar com grande grito, exclamando: "Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre (...) Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu" (Lc 1,42.45). Isabel com espírito profético exclama palavras de bênção sobre Maria. A anciã reconhece a jovem Mãe do Salvador como bendita entre todas as mulheres, pois Maria traz consigo a grande benção capaz de destruir a maldição herdada pela desobediência de Adão e Eva. Isabel, mulher profética, reconhece Maria como Bem-Aventurada em razão do seu testemunho de fé por ter acreditado na palavra do Senhor.
Na segunda parte do texto, escutamos o canto de ação de graças entoado por Maria, também conhecido como Magnificat. Importante saber que este canto está repleto de ecos de textos veterotestamentários, ou seja, de textos sagrados do Antigo Testamento. Porém, queremos aqui meditar apenas quando Maria, cheia do Espírito Santo, exclama: "A minha alma engrandece o Senhor e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador; pois, Ele viu a pequenez de sua serva." (Lc 1,46-48). Esta oração de ação de graças proclamada por Maria, semelhante à oração de Ana (cf. 1Sm 2,1), expressa duas coisas importantes: a gratidão pelos benefícios operados pelo Senhor em seu favor e o reconhecimento da ação salvífica de Deus na sua história. O Senhor olhou com misericórdia para Ana, cujo ventre era estéril, concedendo-lhe Samuel como filho. Sobre Maria repousou o olhar do Pai que se encantou com a sua beleza (cf. Sl 44[45],12a) e, vendo a esterilidade do coração humano, estende misericordiosamente o seu amor para a humanidade. Tão grande amor não se cansa de ir ao encontro dos homens e mulheres a fim de libertá-los da escravidão do pecado e da morte.
Caríssimos irmãos e irmãs, o exemplo de Maria deve nos encorajar a fazer memória da nossa história pessoal e reconhecer nela a ação salvífica de Deus. Diversas vezes perdemos tempo do nosso dia reclamando daquilo que não temos e esquecemos de agradecer ao Pai o que temos. Desta maneira cresce em nos o espírito de murmuração assim como o olhar pessimista sobre todas as coisas ao nosso redor. Estas atitudes revelam que poucas vezes deixamos que o Espírito Santo, Mestre interior dos corações, ilumine as trevas e sombras que existem dentro de nós. É Ele quem opera a obra redentora de Jesus em nós e nos transfigura num vaso de louvor. No entanto, para que isso se torne uma realidade diária em nossa vida é necessário que estejamos dóceis e atentos às coisas do alto, deixando-nos interpelar pela voz do Apóstolo Paulo que diz: "Deixai-vos conduzir pelo Espírito" (Gl 5,16). Aquele que se deixa conduzir pelo Santo Pneuma não será conduzido a outro lugar senão à cruz. Neste lugar doloroso e sombrio, permanecendo em pé como Maria (cf. Jo 19,25), o Espírito santo dará a sua força e uma obra nova começa a ser plasmada naqueles que põem no Senhor a sua esperança.
Neste domingo, contemplamos com ação de graças "a Virgem Maria, Mãe de Deus, que foi elevada à glória do céu. Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em caminho"¹ . Por isso, enquanto peregrinamos no exílio deste mundo, a exemplo de Maria, não tenhamos medo de responder com generosidade o Senhor, pois Ele mesmo nos recompensará. Todavia, não pensemos que tal recompensa seja realizada exclusivamente nesse mundo, mas, decerto o Pai nos dará sempre o que é bom quando nós nos deixamos ser "golpeados" pela graça da sua Palavra. Sua recompensa, sem dúvida alguma, é a vida do seu Filho que derrama sobre nós o seu Espírito, dom do seu amor pascal. Que esta eucaristia transfigure a nossa vida num perene Magnificat e nos ajude a ouvir uma voz forte que proclama: "Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo" (Ap 12,10ab). Ao nosso Deus toda honra e toda a glória pelos séculos dos séculos.
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¹Prefácio: "A glória de Maria"
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