"Iluminai a vossa Face sobre nós, convertei-nos, para que sejamos salvos!" (Sl 79,4)
Leituras: 1ª Leitura - Is 63,16b-17.19b;64,2b-7
Salmo - Sl 79, 2ac.3b.15-16.18-19 (R.4)
2ª Leitura - 1Cor 1,3-9
Evangelho - Mc 13,33-37
Nesse domingo iniciamos um novo tempo litúrgico: o tempo do advento. Através dele somos orientados pela virtude da esperança a estarmos alegres para celebrar a memória da primeira vinda de Cristo que, no mistério da sua encarnação, nasce na mais completa pobreza e, assumindo a nossa natureza mortal, nos enriquece de sua imortalidade. Com tempo do advento somos exortados, à luz da Palavra de Deus, para a vigilância de nossas atitudes a fim de que preparemos os nossos corações para a sua segunda vinda. Esta, por sua vez, exige de nós muita atenção sobre como vivemos nesse mundo, afinal, "o Filho do Homem virá numa hora em que não pensais" (Mt 24,44).
Escutamos na primeira leitura um texto onde o profeta eleva a Deus uma prece na qual está evidente o seu caráter de súplica. Em Is 63,7-14 o autor sagrado faz memória das ações salvíficas do Senhor que revela sua imensa bondade na história do seu povo. Diante de tamanha bondade e compaixão que Deus teve com Israel, parece-nos, segundo o profeta, que Deus está em silêncio, ou seja, Ele não responde mais aos apelos dos israelitas. Passando por inúmeras dificuldades, o profeta experimenta com todos os seus irmãos uma grande solidão. Deus parece estar mudo. Diante dessa ausência de resposta da parte do Senhor, o profeta não desiste, e com a força interior que lhe sobrou invoca-o dizendo: "Senhor, tu és nosso Pai, nosso redentor; eterno é o teu nome. Como nos deixaste andar longe de teus caminhos e endureceste nossos corações para não termos o teu temor? Por amor de teus servos, das tribos de tua herança, volta atrás" (Is 63,16b-17). Invocado como "Pai" e "redentor", tais expressões revelam quem é Deus para o profeta. A primeira expressão resulta do reconhecimento da presença protetora do Senhor ao longo da história do seu povo eleito; na segunda, (go'el) vemos uma expressão utilizada no antigo direito israelita, reservada ao membro do clã que era encarregado para defender os seus familiares e o patrimônio familiar (cf. Lv 25,23-24), libertar um membro da família que se tornou escravo (cf. Lv 25,26-49), proteger uma viúva (cf. Rt 4,5) ou vigar o sangue derramado de um parente que foi morto (cf. Nm 25,19-20).
À luz dessas expressões, podemos refletir quem é Deus para o profeta: Deus é aquele que protege, liberta e salva o seu povo das situações mais duras e difíceis de suas vidas. Esse reconhecimento de quem o Senhor é para os judeus revela, portanto, que no coração do profeta a esperança em Deus permanece viva. Ainda que o silêncio de Deus seja aparente, Ele não está alheio às provações que o seu povo sofre. A esperança que o profeta tem no Senhor está presente quando ele diz: "Ah! Se rompesses os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de ti. Desceste, pois, e as montanhas se derreteram diante de ti. Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam" (Is 63,19b. 64,2b-3).
Da mesma forma que o profeta reconhece quem é Deus para ele, também assume a sua identidade reconhecendo-se como alguém que foi infiel à Aliança junto com seus irmãos. Por isso, assumindo as suas debilidades, faz uma confissão coletiva dos pecados: "Todos nós nos tornamos imundície, e todas as nossas boas obras são como um pano sujo; murchamos todos como folhas, e nossas maldades empurram-nos como o vento. Não há quem invoque teu nome, quem se levante para encontrar-se contigo; escondeste de nós tua face e nos entregaste à mercê da nossa maldade" (Is 64, 5-6). O silêncio de Deus é apenas aparente. Tal silêncio é atribuído frequentemente para Aquele que nos criou achando que Ele virou o seu rosto contra nós. Ao contrário, o seu rosto se mostrou favorável a cada um de nós através do seu Filho. Cristo é o rosto misericordioso do Pai.
No Evangelho desse domingo, estamos tendo contato com uma perícope que faz parte do discurso escatológico de Jesus. Nele, observamos que o Divino Mestre instrui os seus discípulos para que estejam preparados para a manifestação gloriosa do Filho do Homem (cf. Mc 13,24-27). Tudo isso pelo fato de Jesus que estava presente no Templo de Jerusalém com seus discípulos e estes admirados com as grandes construções, escutam-no dizendo: "Vês essas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra que seja demolida" (Mc 13,2). Diante do que Jesus acaba de revelar, Pedro, Tiago, João e André perguntaram em particular: "Dize-nos quando será isso e qual será o sinal de que todas essas coisas estarão para acontecer?" (Mc 13,4). A partir desse cenário, Jesus os exorta à vigilância dizendo: "Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento" (Mc 13,33). Para designar a expressão "o momento" no texto grego é o termo kairós¹ . Por isso, esse momento é desconhecido de todos os homens a fim de que estes possam, de modo vigilantes, se preparar para a manifestação desse tempo kairótico onde Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28).
Em seguida, uma breve parábola é narrada mostrando a necessidade da vigilância. Jesus diz que "o momento", o tempo kairótico em que o Filho do Homem se manifestará será como "um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando" (Mc 13,34). Em outras palavras, Cristo, ao voltar para o seio do Pai confiou a cada homem e mulher uma missão de ser a sua imagem e semelhança realizando o mesmo bem que Ele fez. Desta forma, esperar vigilante o seu retorno significa que, enquanto estamos presentes nesse mundo, precisamos ser testemunha do seu amor com gestos concretos, tal como viveu o Filho de Deus que, por onde passava, só fazia o bem às pessoas que encontrava. Agindo assim, não devemos temer quando o Senhor nos chamar para o seu encontro definitivo, pois quem faz o bem tal como Jesus revela que vive em constante vigilância aguardando a sua nova vinda. "Toda vigilância só tem o seu pleno sentido a partir da espera por Aquele que há de vir (...) sem esta espera cairemos ou no moralismo ou nos "libertaremos" do jugo da lei para nos entregarmos à servidão dos insaciáveis imperativos do egoísmo e da auto-satisfação"² .
Tendo iniciado o tempo do advento, supliquemos ao Espírito de Deus que nos conceda o dom de permanecermos acordados, ou seja, atentos ao bem que o Cristo nos confiou testemunhando com gestos e palavras o rosto misericordioso do Pai ao nosso próximo. Por isso, "vigiai porque não sabeis quando o dono da casa vem. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!" (Mc 13,35.37). Devemos evitar que o "sono" da indiferença não nos permita negligenciarmos à missão que nos foi dada nesse mundo. Conforme diz o apóstolo dos gentios: "desperta tu que dormes, levanta-te dos mortos e Cristo te iluminará" (Ef 5,14).
Temos vivido tempos tão difíceis que achamos que o Senhor virou o seu rosto contra nós. O luto gerado por inúmeras perdas de pessoas queridas, as enfermidades que tocam o nosso corpo ou de alguém que amamos, a ansiedade que se multiplica em angústia e depressão, o desemprego cada vez mais acentuado provocando incertezas do futuro; enfim, sem resposta a estes sofrimentos que experimentamos somos tentados a pensar que o silêncio de Deus é, na verdade, a certeza de que Ele nos abandonou. Ao contrário, Ele é o nosso Pai; nós somos apenas barro. Ele é o nosso divino oleiro que utiliza as nossas lágrimas provocadas por tantas dores que vivemos e, dessa maneira, nos torna a obra de suas mãos (cf. Is 64,7), isto é, um vaso de honra para o seu louvor. Portanto, cheios de esperança, façamos da voz do salmista a nossa voz: "Iluminai a vossa face sobre nós, convertei-nos, para que sejamos salvos! E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus! Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! (Sl 79,4.19).
Ao nosso Deus toda honra e toda a glória pelos séculos dos séculos.
1 Kairós: Tempo oportuno, momento presente, momento propício, . O sentido teológico aponta o termo como tempo de salvação, manifestação da graça Deus. RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento, p. 245.
2 BOUZON, E., ROMER, K. J. A Palavra de Deus - No anúncio e na oração. Ano B. p. 13.
Linda e rica reflexão! Obrigada ♥️