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Homilia Pe. Eufrázio - 23º Domingo do Tempo Comum

"O amor não faz mal contra o próximo" (Rm 13,10)

Leituras: 1ª Leitura - Ez 33,7-9

Salmo - Sl 94(95) 1-2.6-7.8-9 (R.8)

2ª Leitura - Rm 13,8-10

Evangelho - Mt 18,15-20



Nesta eucaristia dominical, nos dirigimos a Deus invocando-o como Pai de bondade. Tal bondade se manifesta sobretudo quando Ele nos redime; redimindo-nos, Ele nos perdoa; perdoando-nos, Ele nos salva. Na celebração litúrgica, uma das maneiras de fazermos a experiência de salvação é escutando a Sagrada Escritura. Esta, conforme diz o salmista, é "luz para os nossos passos" (Sl 118[119],105) e, iluminando-nos interiormente, faz crescer em nós a fé no Cristo. Desta maneira, vamos alcançando progressivamente a verdadeira liberdade e a herança eterna.


O que significa essa verdadeira liberdade? o que significa essa herança eterna? O catecismo da Igreja Católica nos apresenta que "quanto mais o homem fizer o bem, mais livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça"¹ . Ora, liberdade verdadeira é exclusivamente a prática do bem e da justiça, em outras palavras, justiça significa dar ao outro aquilo que lhe é de direito. O outro, que não está distante de mim, é alguém que Deus nos deu a incumbência de cuidar com amor. É para isto que a liturgia da Palavra neste domingo nos convoca e nos chama a atenção: todos somos responsáveis uns pelos outros no amor. A herança eterna, resultado de quem cuida do outro no amor, será a vida bem-aventurada que é a comunhão com Deus.


Na primeira leitura, dentro do contexto exílico, o povo de Deus está desterrado na Babilônia e é nesse cenário que Ezequiel exerce a sua vocação profética. No exílio, os israelitas sofrem o desespero de não ter mais o Templo e o culto. Desta forma, cresce em seus corações a incerteza da bondade e do amor de Deus em suas vidas. Convocado por Deus, o profeta com a sua voz terá a missão de resgatar a esperança e a certeza de que o Senhor não os abandonou. Escutamos, pois, que Ezequiel foi estabelecido como atalaia para a casa de Israel (cf. Ez 33,7) ou vigia, conforme apresenta o nosso lecionário dominical. O atalaia era aquele que, enquanto os demais guardas descansavam, vigiava no alto da torre da cidade e observava atentamente o horizonte e tudo o que estava ao seu redor. Procurava vigiar qualquer perigo que se aproximasse colocando em ameaça a sua cidade e todos os seus habitantes. Pressentindo o perigo, o atalaia tinha a obrigação de dar o alarme para que a sua comunidade estivesse preparada para enfrentar o inimigo com todos os seus desafios. Caso o atalaia não vigiasse e, consequentemente, não desse o alarme, ele seria responsável por uma grande tragédia.


Ezequiel não é um atalaia que fica em cima da torre da cidade. Ao contrário, ele é um atalaia que está no meio do povo perscrutando o horizonte da realidade em que vive os israelitas. Seu objetivo era preveni-los de qualquer ameaça que provocasse a falta de esperança e as dúvidas sobre a bondade de Deus. Nesse contexto, o profeta tem a obrigação de anunciar a Palavra que Deus dirige ao seu povo advertindo-o em seu nome (cf. Ez 33,7). Se Ezequiel ouve a advertência divina dirigida ao ímpio e não lhe anuncia, morrerá o ímpio, mas o profeta prestará contas de sua morte. Porém, se o contrário acontecer, isto é, o profeta adverte o ímpio e este não se arrepende e morre, o ímpio morrerá por sua própria culpa, enquanto o profeta terá a sua vida preservada (cf. Ez 33,8-9). É inerente à vocação profética o anúncio da Palavra que exorta e salva. Ezequiel não é um homem que está fora da realidade e alienado à ela, mas ao contrário, ele anuncia a Palavra à luz dos acontecimentos da história em que ele vive. Exilado na Babilônia, Ezequiel é como um "luzeiro falante" que, anunciando a Palavra que exorta e liberta, ajuda o povo a caminhar sob a luz de Deus e alcançar a verdadeira liberdade. Afinal, o "Senhor não tem prazer na morte do pecador, mas antes, na sua conversão, em que ele se converta do seu caminho e viva" (Ez 33,11).


Como uma espécie de eco da primeira leitura, no evangelho narrado por Mateus desse domingo, estamos tendo contato com uma perícope que faz parte do discurso eclesiástico de Jesus (Mt 18,1-35). Tal discurso é um conjunto de ensinamentos referentes às orientações sobre as relações entre os irmãos, ou seja, da vida fraterna em comunidade. O texto evangélico de hoje (Mt 18,15-20) pode ser dividido em duas partes: a primeira parte trata sobre a correção fraterna (Mt 18,15-18); a segunda, por sua vez, sobre a importância da oração em comum (Mt 18,19-20).


Quanto à correção fraterna, Jesus apresenta uma tríplice forma da comunidade não deixar que um de seus irmãos se perca pela escolha de um mal caminho. A primeira orientação refere-se ao irmão que se encontra no caminho errado e que seja corrigido em particular (cf. Mt 18,15). Caso o irmão que errou não dê ouvido, então uma ou duas testemunhas sejam chamada a fim de que a questão seja decidida por estas pessoas que agora se fazem presentes (cf. Mt 18,16). Mesmo se este irmão persistir em não se emendar, que o caso seja levado à Igreja, isto é, à comunidade. Todavia, se tal irmão continuar com o coração empedernido, desprezando à comunidade, que seja considerado um pagão ou pecador público (cf. Mt 18,17). Jesus conclui dizendo sobre a comunidade o mesmo que foi dito a Pedro quando confiou-lhe as chaves da Igreja (cf. Mt 16,19). Nesse caso, confia à comunidade as decisões a serem tomadas e considerá-las ratificadas pelo próprio Deus. A tríplice forma desse texto evangélico apresenta as tentativas de reconduzir o irmão que se encontra obstinado no erro e exprime a preocupação de que ele experimente a salvação que é, sobretudo, a comunhão com Deus. Interessante observar que a primeira parte do Evangelho é precedida pela parábola do ovelha perdida, cujo ensinamento desse domingo ilustra que o Senhor deseja que todos sejam salvos: "Assim também, não é da vontade do Pai do céu que nenhum destes pequenos se perca" (Mt 18,14).


Por fim, a segunda parte apresenta o valor da oração comunitária. É na oração comunitária que experimentamos a presença de Deus que nos inspira a tomar decisões que são difíceis. Nesse caso, Jesus garante à comunidade que o Pai ouvirá suas orações concedendo aquilo que pedir em comum acordo, em espírito de unidade. Entretanto, não se deve considerar tanto o número material de membros, mas se dois ou três estiverem reunidos na fé e no amor do seu nome, ali encontra-se a comunidade na qual Jesus estará sempre presente. "Uma ideia semelhante encontra-se na literatura rabínica em relação ao estudo da Torah. Um ensinamento rabínico ensina: 'Se dois se sentam juntos e entre eles está a Torah, então entre eles estará a Shekina'. O termo Shekina, da raiz hebraica shakan, que significa 'morar', indicava o habitar de Deus entre o seu povo e era usado para evitar pronunciar o nome de Iahweh" ² .


Deus quer a todo custo que sejamos salvos. A sua salvação está expressa de forma evidente na obra redentora do seu Filho revelando que nos ama até o fim (cf. Jo 13,1). Tal amor precisa ser manifestado dentro da comunidade fraterna através do perdão. Esse dom do Ressuscitado deve ser mais do que uma ação verbal, mas uma ação que se constrói diariamente dentro dos relacionamentos fraternos. Precisamos exercer o amor sobretudo na ação de perdoar o irmão que erra. O primeiro passo do perdão, conforme Jesus nos apresenta, é o diálogo. Entretanto, no diálogo não podemos nos colocar na posição de juízes que, julgando, condenam o irmão que errou. Ao contrário, recordando o Evangelho do último domingo, somos todos discípulos e não mestres. Precisamos ter paciência com o outro. Nesse mundo todos nós estamos vivendo num perene discipulado e num processo de contínua construção de nós mesmos. Agimos muito mais com autoritarismo do que repletos de humildade. Queremos ensinar o outro que se desviou do caminho da luz "cheios" de "doutrinas dogmáticas" quando nós mesmos estamos envolvidos de trevas originadas pela prepotência de acharmos que estamos acima do bem e do mal. Não será desta forma que conseguiremos reconduzir o nosso irmão do seu erro à vida da graça. A única forma de ajudar o outro a fazer novamente a experiência da vida de Deus é quando nós nos desarmamos dos nossos martelos de juízes que sentenciam condenando para acolher aquele que errou perdoando-o. Lembremos sempre que "o Senhor não nos trata como exigem as nossas faltas e nem nos pune em proporção às nossas culpas (Sl 102 [103],10) e "quem dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!" (Jo 8,7). O segundo passo para o perdão fraterno pressupõe uma outra qualidade originalmente cristã que é saber receber o perdão. Da mesma maneira que precisamos corrigir no amor o irmão que errou, precisamos saber receber a fraterna correção e entender que o outro se preocupa conosco. Como verdadeiros atalaias, possamos cuidar atentamente no amor os nossos irmãos para que não experimente o mal e a morte. Não podemos negligenciar o nosso irmão reproduzindo em nossos dias a voz de Caim que matou o seu irmão provocado pela inveja e disse a Deus: "Acaso sou guarda de meu irmão?" (Gn 3,9). Desta maneira estaremos perpetuando o primeiro fratricídio.


Nesse dia em que Cristo fez brilhar a sua glória, celebrando nosso pentecostes dominical, não tenhamos medo de perdoar e nem de receber o perdão. "O amor fraterno do perdão, em nome do Cristo e o arrependimento sincero têm em si uma força quase sacramental. Quem perdoa, sempre toca no Cristo, cuja graça é devolvida ao irmão por meu perdão"3 Todavia, não conseguimos perdoar com as nossas próprias forças. Necessário se faz suplicar ao Divino Espírito para que os nossos corações sejam inflamados pelo fogo abrasador da Palavra. Esta, por sua vez, meditada e contemplada diariamente pela leitura orante, plasma em nós a imagem e semelhança Daquele que na cruz manifestou a todo o gênero humano o seu amor pascal dizendo a Deus: "Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Perdoando-nos, Cristo manifesta seu profundo amor por nós. Perdoar é amar e vice e versa. Portanto, tenhamos a coragem de amar com gestos concretos, sobretudo no perdão. Como disse o apóstolo Paulo na segunda leitura: "aquele que ama o próximo está cumprindo a Lei" (Rm 13,8), pois, "o amor não faz mal contra o próximo" (Rm 13,10).


Ao nosso Deus toda honra e toda a glória pelos séculos dos séculos.

 

¹ Catecismo da Igreja Católica, n.1733.

² BOUZON, E., ROMER, K. J. A Palavra de Deus - No anúncio e na oração. Ano A. p.322.

³ BOUZON, E., ROMER, K. J. A Palavra de Deus - No anúncio e na oração. Ano A. p.324.

3 Comments


Valeria Ferreira
Valeria Ferreira
Sep 11, 2020

Grande riqueza a reflexão das leituras desse domingo! Obrigada!💞

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albanizebarreto
Sep 09, 2020

Suas palavras enriquecem a minha semana, obrigada pela dedicação e cuidado com os fiéis de nossa Paróquia.

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Cristina Cataldo
Cristina Cataldo
Sep 09, 2020

Fico muito feliz em poder ler as suas homilias sempre que quiser. Obrigada por toda atenção com os idosos! Deus lhe abençoe!🙏

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