Leituras:
1ª Leitura - Sb 2,12.17-20
Salmo - Sl 53,3-4.5.6.8 (R.6b)
2ª Leitura - Tg 3,16-4,3
Evangelho - Mc 9,30-37
"Quero ofertar-vos o meu sacrifício, de coração e com muita alegria" (Sl 53,8). É com essa manifestação de júbilo do salmista que nós nos apresentamos nessa eucaristia dominical. Diante de uma semana com tantos desafios que enfrentamos, hoje, ofertamos ao Pai o nosso sacrifício como expressão da nossa vida, testemunhando, portanto, o seu socorro em nosso favor, conforme diz o santo salmista: "Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta minha vida!" (Sl 53,6).
A primeira leitura, proclamada nessa celebração, apresenta uma perícope que faz parte do primeiro bloco do livro da sabedoria. Nele, o autor sagrado fala sobre a vida humana e o juízo escatológico (Sb 1,1 - 6,21). O texto que ouvimos, dentro desse bloco, aborda o tema dos pensamentos e planos dos ímpios em contraposição aos justos (Sb 1,16 - 2,24). Os "ímpios" apresentados pelo o autor sagrado eram os pagãos que ridicularizavam e hostilizavam os judeus fiéis aos seus costumes religiosos. Além desse pagãos, integrava o grupo dos ímpios os judeus que apostataram as tradições de seus antepassados e assumiram os valores da cultura grega. Sobre o justo, apresentado no texto que ouvimos, os ímpios armam ciladas contra a sua vida colocando-o à prova com ofensas e torturas a fim de verificar a sua serenidade e paciência (cf. Sb 2,12.19). Suas falas denotam a perversidade de seus corações que se revelam fortemente incrédulos ao Deus Criador-Libertador. Por isso, dizem: "Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovemos o que vai acontecer com ele. Se, de fato, o justo é ‘filho de Deus’, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos" (Sb 2,17-18). Considerando, talvez, toda essa maldade insuficiente, eles arquitetam condenar o justo "à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro" (Sb 2,20).
Não desconhecemos que o "justo" apresentado no livro da sabedoria recebe pleno cumprimento na vida de Cristo. Ele mesmo, no Evangelho que ouvimos, expõe aos seus discípulos o segundo anúncio da paixão do Filho do Homem (cf. Mc 9,30-32) e, em seguida, ensina-os sobre o tema da humildade (cf. Mc 9,33-37).
Partindo de Cesareia de Filipe e atravessando a região da Galileia, Jesus ensina àqueles que o seguem dizendo-lhes que "o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará" (Mc 9,31). Diferente do primeiro anúncio da paixão em que Pedro se opõe aos planos de Deus evocando a ideia de um Messias político (cf. Mc 8,32-33), agora, os discípulos mostram-se incapazes de compreender o que Jesus diz. Razão pela qual justifica o medo que eles têm em fazer qualquer pergunta sobre o assunto (cf. Mc. 9,32).
Num segundo momento, tendo chegado na cidade de Cafarnaum, em casa, Jesus pergunta aos seus discípulos o que discutiam pelo caminho (cf. Mc 9,33). "Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior" (Mc 9,34). Jesus se senta e, como divino Mestre, começa a ensinar aos doze sobre a importância da humildade, dizendo-lhes: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!" (Mc 9,35). Inserido em uma realidade que segue uma mentalidade triunfalista com forte expressão político-nacionalista, Jesus segue "a lógica dos contrários", isto é, para Ele, "o menor é o maior", "o último é o primeiro". Isso significa que "aos olhos e Deus é realmente o primeiro aquele que se dispõe para estar a serviço de todos. Não se trata de um 'servir' com segundas intenções ou um 'escolher diplomático' do último lugar visando promoção. Deus considera o primeiro na comunidade àquele que em seu interior, com toda a sinceridade, assume nessa comunidade uma posição de disponibilidade em relação aos outros. Os 'postos chaves' na comunidade de Jesus não devem ser um 'meio' de alcançar poder ou domínio sobre os outros, mas sim um meio de servir os irmãos"1 .
Jesus conclui a instrução aos doze apresentando-lhes uma criança e colocando-a no meio deles e diz que quem acolher em seu nome alguma daquelas crianças, na verdade, está acolhendo Ele mesmo e também o Pai que o enviou. É possível notar que essa comparação com a criança, dentro do contexto da discussão dos discípulos sobre quem era o maior, está deslocada. No entanto, vale ressaltar que, na sociedade palestinense, as crianças não possuíam direitos. Elas eram o símbolo dos débeis, dos indefesos, dos insignificantes. A partir do gesto de Jesus, a figura das crianças ganha um novo significado. Elas são a imagem do Cristo que se fez o menor diante daqueles que, a todo custo, queriam assumir uma imagem de destaque, inclusive de perseguir aqueles que praticam o amor e a justiça (cf. Sb 2,12.17-20).
Estimados irmãos e irmãs, reunidos no Espírito, somos provocados pela Palavra de Deus acerca da nossa vocação ao discipulado de Jesus. Precisamos rever os objetivos da nossa caminhada que deve ter o Cristo como autêntico modelo. No seio familiar, na escola, no trabalho, na sociedade, na comunidade eclesial, enfim, em qualquer ambiente que estejamos, é importante lutar contra o desejo de exercer o poder desmedido sobre os outros. O poder que o Pai conferiu a Jesus sobre os homens é convertido no seu serviço ao próximo. Constatamos que toda a sua vida foi uma oferta "de coração e com muita alegria" (Sl 53,8) a todos aqueles que gritavam pelo seu nome. Na luta contra o poder autoritário, não desconhecemos que Jesus pagou por um preço que custou a sua vida alcançando o último lugar: a cruz. Aliás, poucos desejam o último lugar. Por ele não há disputa. Diferente dos lugares de honra, por causa deles crescem a inveja e as brigas que revelam os desejos egoístas e autocráticos, deformando interiormente homens e a mulheres que agem dessa maneira.
Em sua carta, o apóstolo Tiago nos exorta que "onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más" (Tg 3,16). Contudo, homens e mulheres que buscam o último lugar, sem pretensão de qualquer destaque, compreendem que o seu serviço ao próximo é a essência da sua vida batismal. Neles, a virtude da humildade reflete o rosto de Cristo que amou sem medidas. Afinal, "não existe medida para a beleza do homem que é humilde. (...) O homem humilde é uma hóstia de Deus. O coração de Deus e de seus anjos descansam naquele que é humilde"2 . Que o Espírito de Deus seja a nossa força e o nosso auxílio a fim de que, rompendo com a vaidade e o orgulho que nos impede de fazer da nossa vida um sacramento de amor, "possamos colher os frutos da redenção na liturgia e na vida"3 .
Ao nosso Deus toda honra e toda a glória pelos séculos dos séculos.
1. BOUZON, E., ROMER, K. J. A Palavra de Deus - No anúncio e na oração. Ano B. p. 330.
2. Santo Efrém, diácono e doutor da Igreja, séc. IV - Lecionário Patrístico Dominical, p. 473.
3. Oração pós-comunhão - 25º DTC.
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